FGC ou EUI: Fundo Garantidor de Créditos ou Emprestador em Última Instância?

A engenharia financeira estruturada pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para salvar da liquidação o PanAmericano, operação até então inédita no mercado, vem levantando uma série de questionamentos sobre o real papel dessa entidade, segundo Aline Lima (03/02/11). Ela está substituindo, informalmente, o Banco Central do Brasil na clássica função de Emprestador em Última Instância (EUI)? O FGC, afinal, foi criado para ressarcir depositantes (FGC) ou salvar bancos (EUI)? O dinheiro é realmente dos banqueiros ou de correntistas e poupadores? O socorro pode criar precedente para outros bancos incorrerem no mesmo “risco moral”? Quem administrar o PanAmericano achará que “ele jamais poderá quebrar, por ter como parceiro a Caixa Econômica Federal, 100% controlada pelo Tesouro Nacional”?

Vários executivos de bancos que não tinham exposição ao PanAmericano ficaram indignados com o desfecho do episódio. “Como sócio, vou querer saber direitinho quem está arcando com esse prejuízo”, reclamou um deles no dia seguinte ao fechamento da venda do PanAmericano para o BTG Pactual. Os grandes bancos de varejo, compradores das carteiras de crédito do PanAmericano, são também os principais cotistas do FGC e cabe a eles, em conjunto, a decisão final sobre os assuntos do fundo. Não se sabe se, no caso do PanAmericano, a decisão aprovada foi unânime. Sendo assim, a chamada “auto-regulação do mercado” será sempre realizada pelos líderes do mercado bancário sobre seus concorrentes menores?

O debate ganha mais força depois do segundo socorro, com o empresário Silvio Santos, responsável em última análise pelo rombo como antigo controlador, se dando relativamente bem. Ele perdeu o banco, cuja gestão fraudulenta dizia desconhecer, mas saiu sem dívidas, com todas as empresas colocadas como garantia liberadas, e tendo recebido R$ 740 milhões pagos pela Caixa em dezembro de 2009! Este dinheiro, em última instância, desde que a Caixa é 100% do Tesouro Nacional, não seria dos contribuintes?!

Evidentemente, os dirigentes dos bancos médios e pequenos reconhecem a importância de se ter evitado a liquidação. Como sempre, o principal argumento para justificar o resgate seria que eventual quebra enxugaria a liquidez do sistema e poderia provocar “efeito dominó”.

O FGC foi criado em 1995, ano inicial da crise bancária que se prolongou no Governo FHC, para garantir que pequenos poupadores e correntistas não saíssem perdendo todos os recursos caso alguma instituição financeira viesse a quebrar. Desde 2001, alega-se, o Banco Central está proibido de conceder empréstimos a bancos quebrados por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal, que revogou o PROER, o programa de socorro aos bancos privados.

O FGC acabou assumindo, na prática, também esse papel de “saneador”, estimulado pelo próprio Banco Central do Brasil. Tem sido, desde então, o principal articulador nas liquidações de bancos, tendo passado pelo Fundo mais de 25 casos. Durante a crise financeira internacional de 2008, o Fundo teve papel importante no restabelecimento da liquidez do mercado, por meio da compra de carteiras de crédito. Seu objetivo passou a ser também garantir a estabilidade do sistema.

A postura de defesa do sistema bancário assumida pelo FGC suscita dúvidas, porém, sobre seu papel principal, que é o de prestar garantias de créditos a pequenos depositantes. No fim das contas, o socorro serviu mais aos depositantes ou aos acionistas dos bancos?

Segundo argumento de diretor executivo do FGC, o risco de que o patrimônio do Fundo tenha ficado comprometido com a operação de salvamento do PanAmericano não existe. O patrimônio do FCG é atualmente de R$ 26 bilhões, já descontados os R$ 3,8 bilhões gastos para evitar a quebra do banco de Silvio Santos. Arrecada R$ 150 milhões por mês, mais R$ 200 milhões de receita financeira com título público federal.

O patrimônio do FGC é formado por contribuições compulsórias sobre os depósitos realizados em bancos. Todo mês, as instituições financeiras calculam o saldo médio de todo tipo de depósito, ou seja, depósitos à vista, a prazo, de poupança, letras de câmbio, imobiliárias e hipotecárias, e depositam o equivalente a 0,0125% desse volume na conta do FGC. A contribuição feita pelos bancos é registrada no balanço de cada qual como despesa, como qualquer outro gasto administrativo. A despesa, imagina a jornalista, reduziria o lucro e o Imposto de Renda a ser pago também diminuiria. Na verdade, todas as Despesas Administrativas são repassadas para os devedores pagarem, dentro do spread bancário cobrado por empréstimo.

Os correntistas podem também estar se perguntando se o dinheiro do FGC, no fim das contas, não sai dos depósitos deles. Não é difícil imaginar que esse custo está embutido nas tarifas cobradas ou em remuneração menor de cada aplicação. Afinal, tudo em economia de mercado, quem paga em última instância é o consumidor, mesmo que esteja travestido de depositante.

Ficaram sem resposta, ainda, todas aquelas questões iniciais. Será que a solução inédita concebida pelo FGC para salvar o PanAmericano vai criar precedentes no mercado? O risco moral aumentará?

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